À margem da galeguidade étnica e idiomática das comarcas do leste, existe um amplo abano de atitudes sociais ante a possibilidade de se reencontrarem com o tronco da naçom. Fala-se muitas vezes da hostilidade asturianista contra o galego no Návia-Eu, ou dos germolos de consciência galega que resistem no oeste do Berzo. Menos se repara na pequena e significativa resistência entre as duas Portelas (a Canda e o Padornelo). Na chamada Baixa Seabra, sobrevivem condutas que olham para a Galiza inteira, e que mesmo tomam presença institucional. Aproveitamos que a Agrupaçom de Montanha "Augas Limpas" celebrou o seu acampamento de verao no concelho de Luviám para sabermos as expectativas e as sérias ameaças contra estas terras.
Luviám é a cabeça dum concelho situado na Alta Seabra, num vale onde desemboca a Serra Segundeira, e por onde decorrem os rios Bibei e Tuela. O concelho agrupa os lugares de Acibeiros, Chaos, Hedradas, Hedroso e Padornelo. Assenta num vale de origem glaciar, de orografia quebrada, dumha importáncia inigualável em todo o território galego. O concelho -como em geral toda a Seabra- passou mui discretamente pola história do nosso país, e as mençons a Luviám ainda som mais escassas nas fontes. No conhecido Dicionário de Madoz (1850) fala-se dumha pequena comarca que produz centeio, linho, patacas, hortaliças e frutas, dedicando-se à cria de vacum; na altura Luviám nom chegava aos 300 habitantes, polo que se mantinha em níveis semelhantes aos de hoje. A diferença, que nom é insignificante, acha-se na dedicaçom dos seus habitantes: em pleno século XXI, o progresso sentenciou que nestes lugares de montanha nom se devia viver da agricultura, de maneira que hoje apenas sobrevive umha exploraçom ovina, outra apícola, e dez vacas em todo o concelho.
Umha história silenciosa
Os séculos passárom lentamente em Luviám, deixando um legado modesto e importante. O castro do Castrilhom e o das Muradelhas; no primeiro, a arqueologia de primeiros do século XX já topou restos de jóias, olaria e umha moeda romana, e a lenda popular situava mouros custodiando alfaias; no segundo, datado entre os séculos IV e V a. de Cristo (e portanto muito antes do submetimento da Gallaecia nas "guerras cántabras"), ainda se distingue a dupla muralha, os fossos, e os campos de pedras fitas. Dos enfrentamentos da vizinhança com as manadas de predadores ficou um imenso "Cortelho dos Lobos", situado mui perto do centro do concelho. No seu recinto circular, cavado na aba do monte, encerravam-se os lobos, que nom davam saltado os mais de três metros de valo; lá eram capturadosvivos, e logo passeados polas vilas da contorna, num ritual de vários dias. A vizinhança colaborava assim economicamente para manter esta pequena infra-estrutura colectiva, que se entendia benéfica para todos.
A história de Luviám tem ressonáncias mais familiares se entrarmos nos tempos recentes: como porta de saída da Galiza para Espanha, as Portelas acolhiam a Igreja da Tuíça, lugar de passagem obrigada para os segadores que marchavam às Castelas; oferecidos à virgem de ida, diz a tradiçom que deixavam os seus focinhos de volta, agradecendo o bem sucedido da sua viagem. E ainda mais recentemente, a dificultosa construçom do caminho de ferro Ourense-Samora alentou um importante movimento obreiro e acendeu algumha das greves mais importantes da etapa republicana. Apenas o franquismo, que rematou a obra aproveitando mao-de-obra escrava, composta por presos políticos, puido sufocar umha mudança social que chegou a umha das comarcas mais recónditas do país. A propósito, esta linha ferroviária desvalorizar-se-á asinha; quase nem concorrerá com a ditadura do carro particular, senom que se enfrentará ao comboio do turismo massivo e os executivos, o AVE. Do velho comboio ficarám velhos apeadeiros esboroados (ainda a dia de hoje nom tenhem luz), o recordo das luitas, e dos muitos carrilanos que finárom de silicose trás anos de trabalho nos túneis.
Galeguidade inquestionável
Já na década de 50, e em plena universidade franquista, o professor Cortés y Vázquez publicou a obra "El dialecto galaico portugués hablado en Lubián", onde afirma: "quigéramos, desde as primeiras linhas, advertir dous feitos decisivos que provam que nem geográfica nem historicamente existe relaçom entre esta regiom e o resto das terras samoranas. Seja o primeiro a presença lá do rio Bibei, o único que em toda a província nom pertence à bacia do Douro, senom à do Minho, já que se trata dum afluente do Sil (...) Quanto ao aspecto histórico e humano, assinalemos que a partir do Padornelo e cara ao oeste começa (...) a se falar umha outra língua: o galego, constituindo a dupla barreira imposta polos montes, dumha banda, e pola fala, doutra, um feito isolante desta zona do resto de Seabra”.
Como é sabido, o mapa assumido polo arredismo galego vai mui além destas consideraçons e, sem contemplar o idioma como único definidor da nacionalidade, integra na Galiza toda a comarca seabresa e berciana, junto com a Cabreira, independentemente de serem historicamente falantes de leonês ou de castelhano. O debate já foi recolhido nas páginas de NOVAS DA GALIZA mas, seja como for, todo o erudito minimamente rigoroso reconhece a galeguidade das partes ocidentais de ditas bisbarras. O mesmo Cortés y Vázquez, no seu livro dos anos 50, recolhe um orgulho lingüístico infrequente, e que poucas vezes se tem analisado: "ao invés da zona leonesa da Seabra, em que o dialecto se perde a passos agigantados, por terem os seus habitantes um marcado complexo de inferioridade idiomática ao crerem que falam mal castelhano e ouvi-lo assim de boca de mestres e funcionários, nom ocorre o mesmo na zona samorana de fala galaicoportuguesa, pois os seus habitadores sabem que nom falam mal, senom que falam outra língua".
Esta consciência idiomática, que sobrevive e avantaja a existente em muitas comarcas da Galiza autonómica, tem merecido a atençom do movimento galego em tempos recentes. Tanto é assim que a RAG tem como académico nom numerário a Felipe Lubián Lubián, Presidente da Cámara Municipal; e também a associaçom Redes Escarlata outorgava a este mandatário o "prémio Vidal Bolaño" em reconhecimento ao seu labor dignificador do próprio. As festas patronais do concelho acolhêrom grupos como A Quenlla ou Quempallou, e vários locais municipais fôrom utilizados pola Agrupaçom de Montanha "Augas Limpas" no passado Setembro.
O progresso a debate
Eis um dos paradoxos da Galiza oriental: nas jornadas celebradas pola organizaçom independentista, partilhárom debate na casa da cultura umha activista do Grupo de Agitaçom Social de Vigo, um concelheiro do Partido Popular, e o mesmo alcalde, expondo posiçons absolutamente encontradas com toda normalidade. A cena, que seria inimaginável em qualquer concelho da autonomia, abriu umha pequena ilha de democracia no lugar mais inesperado. O colóquio também pujo de manifesto que, perante a falta absoluta de qualquer alternativa socioeconómica produtiva, a vizinhança aplaude qualquer medida do desarrolhismo que se traduza em dinheiro vivo: autovia, parques eólicos, ou TAV som acolhidos com os braços abertos e os seus custos, assumidos como "parte do progresso". Isto é assim graças à seduçom da propaganda, mesmo apesar da achega zero das grandes infra-estruturas: a autovia forçou a fechar negócios do concelho, e o AVE passará polas Portelas sem se deter nem um segundo.
Por palavras simples, melhor ricos e desnaturalizados que pobres e dignos. Os valores tradicionais, como a austeridade, a poupança ou a lealdade à casa já fôrom totalmente banidos polo desejo de promoçom social nas cidades, um nível de consumo alto, e a mobilidade permanente considerada como direito básico. Esta escolha, por outro lado, tampouco é demasiado distinta à que faz qualquer galego de qualquer comarca. Com a única diferença de que em outras zonas, menos avelhentadas, mais diversificadas economicamente, e com mais recursos materiais e culturais, podem ser ensaiadas alternativas mais sensatas. A montanha, desatendida por todas as instituiçons e riscada de "território do atraso", pode pregar-se sem oposiçom aos grandes negócios dos de sempre.
Antom Santos